quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Urubu.

São todos sujos. O mundo os poluiu, os possuiu. As pessoas ainda se dizem puras e do bem, mas a realidade é outra. Olho fixamente para o vazio da rua, esperando um ônibus. Todos os meus amigos são sujos, de corpo e alma. Quando me abraçar, ou me tocam, sinto que um liquido negro, sujo e fedorento, escorre dele e toca em mim. O cd player termina uma musica e começa outra, acho que é Franz Ferdinand.
  O mal é tão tentador que as pessoas mal notam que estão possuídas dele. E ainda acreditam na pureza, na sua vaga garantida no céu. Pobres tolos. Mal sabem que vão todos para o inferno. Um pedaço de osso cai do céu, olho para lá e vejo. São urubus, animais considerados sujo e comedores de carniça. Mas eles são mais puros que muita gente. Eles voam elegantemente em circulo. Percebo que estão comendo uma coisa estranha, parece ser um tipo de ratazana. O ônibus ainda não passou.
   Vejo o tio César vindo em minha direção. Aceno com a mão. Ele vem corcunda como sempre, carregando sua bolsa. Tio César senta comigo.  Aponto para o céu,  aonde os urubus estão dançando suavemente, se deliciando com uma carniça.
 - Urubus...
Ele abre a bolsa, vejo livros, cadernos, um pocket book e outras coisas. Ele vasculha e tira dois chicles de lá, ele me ofecere um. Ele aceito.
 -Urubus do caralho. Comedor de carniça.
 -Bela comparação, amigo.
- Cara, esse bichos só fazem as mesmas merdas: Cheiram por algo morto e vão atrás se alimentar dele.
 Pobre homem. As vezes é tão genial. As vezes é tão idiota.
- O ser humano é pior.
- Como assim?
- Ele não vai atrás da carniça. Ele é a própria.
- Ainda não entendi.
- O homem é mal, e se diz bom. Já percebeu como somos auto- destrutivos e mesmo assim nos achamos do caralho?
- Tipo?
 A burrice está superando ele dessa vez.
- Tipo quando você deixa um pouco de carne no prato. E joga no lixo.
- O prato?
-Não, a carne.
-Ah
...
-Prossiga.
-Você joga a carne no lixo, e de lá, ela vai pros lixões. Que talvez possa servir de alimento a algum mais carente.
- Ou aos urubus.
-Pode ser.
 O ônibus ainda não passou. Os urubus continuam a comer. Outro osso cai no asfalto, parece ser da cabeça. Tio Cesar continua corcunda, mascando o clichê. Vejo seus dentes brancos mastigarem a massa. Meus dentes são amarelos. Não sorrio tanto quanto ele.
 - Sabe, eu até que gosto de urubus.
-Sério?
-É, eles comem os animais que estão apodrecendo. E limpam o lugar e tal... Eles são como os caras do IML. Só que eles não vão levar os cadáveres pro lugar e tal, que nem no CSI. Eles vão é comer.
  A idéia é tão estúpida, e ao mesmo tempo lógica que sorrio.
- Tem um pouco de lógica isso que você falou.
 Tio César não é sujo como os outros. Tio já foi no fundo do poço, cavou mais um pouco e ficou lá. O ônibus ainda não passou. Uma guria vem ao longe, rebolando discretamente. Ele vem andando, andando , até que a reconheço.  Uma ex- colega do 1º grau. Uma vagabunda qualquer. Caminha com uma micro- saia, que dá pra ver sua virilha e uma regata verde neon. Ela está sem sutiã.
   Olho pra Tio César e pra ela. Percebo que ele está quase babando. Ele está quase em transe querendo uma transa. Soco seu braço e ele disperta.
 - Possuída. Maldade.
- Como?
 Silencio-me, ela passa por nós. Sem ao menos olhar. Tio Cesar olha a rabeta da guria e depois desperta novamente.
 - Ela é suja. Tem espírito ruim.
- Como assim? Ela tinha um colar de cruz.
 - Objetos podem transmitir mensagem. Mas nem sempre que tem esse objetos são qual a mensagem.
- Como?
  Tio Cesar está pedindo por um soco no nariz. O ônibus aparece na esquina.
-  Só os urubus comem carniça. Você é um urubu?
O ônibus está a menos de 20 metros. Os urubus acabaram seu banquete e voam dispersos pelo céu. Tio Cesar gagueja algo, mas acaba se calando. Peço parada e entro no ônibus      

   Sigo rumo.

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