sábado, 19 de novembro de 2011

Falsas Promessas;

Alex está cansado, não sabe o que fazer da vida. Passa sete horas todos os dias, exceto domingos, estudando feito um louco na faculdade, a fim de ser alguém na vida.
  O dia está agradável, céu parcialmente nublado. Impossível chover, pensa ele. O ônibus aparece no fim da ladeira, ele faz o sinal de parada com a mão, o farol de sinalização emite a típica luz laranja e para ao lado da calçada destruída pelo tempo e a natureza. Alex sobe.


  O ônibus percorre ruas esburacadas. Em menos de três minutos o ônibus da seis solavancos, fazendo Alex quase bater a cabeça no teto do ônibus. Ele odeia  aquilo. 

Ele tem um metro e noventa dois de altura. 
Quase uma girafa. 
Andar de ônibus com aquela altura é um castigo, uma tortura. Viajar em pé, com o ônibus lotado, tendo que se curvar trinta graus para a cabeça não bater no teto do ônibus, e ainda ver e ouvir os passageiros rindo da situação dele é lamentável.
   Alex abre o bolso maior da mochila preta: Cadernos, livros de quase trezentas paginas cada e folhas soltas de provas e atividades. Abre o bolso médio: Canetas esferográficas pretas e azuis, lápis, todos com as pontas quebradas, um marcador verde florescente e um caderninho mal cuidado, com o arame torto e cheio de anotações coladas. Ele pensa porque está fazendo aquilo, se esquece do motivo, fecha os bolsos e volta a observar a paisagem suja e urbana. Prédios e mais prédios, alguns sujos pelo tempo que estão ali,décadas e décadas, outros por serem mal cuidados pelos proprietários.

  O jovem rapaz vê, do outro lado da rua, uma moça morena. O corpo totalmente tomado por cicatrizes e hematomas. No seu rosto, o batom escorria pelos lábios e chegava ao queixo, as sombras nos olhos estão borrando, dando-lhe uma aparência de caveira. Do nariz, escorre uma mistura de sangue com catarro, provavelmente causado pela droga, pelo pó e a pedra. Alex nunca soube a diferença da pedra e do pó, sabia que o pó se cheirava e a pedra se fumava. Alguns cheiravam da pedra, assim como alguns bebem do chá da planta. Cannabis. As pessoas gostam do proibido, são atraídas por ele. O proibido vicia, o vicio é como um parasita, que vai consumindo o corpo do hospedeiro, até que o hospede toma total conta do hospedeiro, fazendo-o morrer. Alex agradece todos os dias por nunca ter provado nada proibido, exceto por um copo de cachaça que bebeu aos doze anos, pensando ser um copo d’água. A morena atravessa a rua, mas não entra no ônibus. Ainda bem, pensa Alex, odeio viciados.





Boneca

   Alex entra no ônibus, desliza o cartão pelo leitor e passa pela catraca, seguindo pelo corredor e indo sentar nos bancos mais altos. Ao lado de um senhor vestido uma camisa pólo preta com listra brancas e uma calça cor de ovo caipira. Alex sabia que aquela cor tinha outro nome, mas sempre se esquecia, e sempre chamava de “Cor de ovo caipira”. O senhor olha de uma forma de negação para o tamanho do garoto, chegando a ter o dobro do tamanho do velho, mesmo sentado. O velho, indignado e com medo do tamanho, se levantar e sentar duas cadeiras a sua frente. Alex já se acostumou com essa ignorância das pessoas em relação ao seu tamanho, umas riem dele, dos seu tamanho gigantesco e seu jeito corcunda de se sentar, outros como o senhor, só sentem repulsa e/ou medo e se retiram, sentando em outro lugar.
   A janela empoeirada reflete a imagem do jovem: Os olhos escuros como o abismo,  a boca seca , os óculos embaçados de armação leve e o cabelo grande e bagunçado. Faz seis meses que não corta o cabelo, não por preguiça, mas por falta de tempo. Tempo preciso, gasto para o futuro. Mas como é possível gastar o tempo para o futuro se vivemos o agora, o presente. Alex percebe que tudo na sua vida, suas dezoito horas totalmente agendadas, seguidas a risca, não passam de estudar para o futuro. Faz quantos meses que não sai com os amigos a noites, quantas semanas que não compra algo novo, quantos anos que não namora. O ônibus freia bruscamente, fazendo Alex quase bater a boca no banco da frente. Ele se levanta e vê a causa da freada. Uma jovem, uma boneca. Entra uma moça no ônibus, seu rosto entupido  de maquiagem, dando a aparência de uma boneca de porcelana. Os pequenos olhinhos castanho- claro se destacam naquela mascara de maquiagem. Ela usa uma camisa regata branca, que destaca o sutiã verde com bolinhas rosas, e uma calça jeans azul, um pouco surrada. Seu cabelo negro não ultrapassa a linha do queixo, aumentando ainda mais a aparência de boneca.
   Alex sente uma enorme atração por ela, pensa em ir até ela, mas não quer chamar mais atenção com o seu tamanho gigantesco.
   Ela se desculpa com o motorista e agradece por ele ter parado a tempo de não te-lá atropelado, joga algumas notas ao cobrador e passa pela catraca. Alex cruza os dedos pra que ela sente ao seu lado, seu coração palpita mais rápido, começa a suar pela testa, ela anda pelo corredor. Alex percebe suas sapatinhas preta com detalhes rosa. Sapatilhas de princesa. Ela se acomoda na outra fila de bancos, duas fileiras a frente, alinhada com o senhor.

 O garoto pensa em ir falar com a boneca, seus pés tremem de ansiedade e medo, mas ele acaba desistindo quando uma velha com seu cachorro, sentam ao lado dela. O cachorro é minúsculo, quase imperceptível dentro da bolsa, parece um pinscher. A velha sorri para a boneca, ela percebe a presença do cachorro e começa a alisá-lo. Naquele momento, talvez pelo resto da sua vida, Alex queria ser aquele cachorro. Queria ser afanado e acariciado pela boneca, pular da bolsa e lamber seus lábios pintados de batom rosa. Saberia que ela não ligar e continuaria a acariciá-lo, e a velha continuaria a rir, rir das besteiras que os cães fazem.
  Mas ele não é o cachorro.
Volta a observar a paisagem urbana da cidade: Prédios, lanchonetes de higiene duvidoso, um sex shop espremido por entre uma padaria e uma loja de informática, ruas sujas, pessoas mortas se disfarçando de vivas, camelôs, pirataria, argh!
 
  Meia hora depois, a boneca desce em frente a um lugar cheio de condomínios arborizados, entre a Rua H. e I. Três paradas antes da faculdade do Alex. Será que vou pegar o ônibus de novo com ela? – ele se pergunta. A velha do pinscher se levanta lerda pra puxar a corda, e acaba derrubando a bolsa e o cachorro no chão.
  - Fluffy! – Exclama a velha.

Grafiti

  Marcos ama Letícia.
 Alex observa a frase gravada no banco da frente. Marcos e Letícia se amam, quem diabos são eles? Nunca entendeu aquela modinha de gravar nomes em bancos de ônibus e até mesmo nas paradas. Existem centenas, senão milhares, de Leticias e Marcos naquela cidade metropolitana. Ficava ainda mais confuso de isso ser uma forma de expressar o amor do casal.Provavelmente nunca verei esse casal na minha vida - pensa enquanto chupar uma pastilha de hortelã. As pessoas gravam seus nomes, suas mensagem por ai, mas nunca serão lidas, se forem lidas, nunca serão levadas a serio. Alex olha pela janela, vê um prédio abandonado, com a pintura desbotada e velha. O prédio está infestado de pichações, de tags com tipografias estilizadas e graffiti belos, como a de um cachorro pardo e gordo correndo em de um buquê de flores, as cores vivas limpas aquele ambiente acinzentado da cidade. Há uma pichação, uma frase, pintada de um verde neon, bem no centro do prédio. A frase diz:
  
          Somente as crianças podem escapar das sombras.

  Alex faz uma careta, não de vergonha, mas de paixão, admiração. Sente os olhos se encherem de águas, mas logo se controla.Homens não choram, sussurra.
  Aquela frase fez ele lembrar da infância, do seu tempo de inocência. O tempo em que a vida se resumir em ir ao colégio brincar de Tazos e estudar a tabuada, e brincar a tarde com os colegas. Colegas, não amigos, nunca mais virá ninguém da antiga turma. Amigos são aqueles que te seguem pelo resto da vida, colegas são só amigos descartáveis. Brincava a tarde de solta pipa e subir o morro com o Caio e o Pedro, as vezes o Lourenço ia junto, mas geralmente ele só aparecia  no torneio de bafo. Pobre Lourenço, se mudou para o exterior com a família só com nove anos, foi uma grande perca para a turma. A noitinha, todos se juntavam na Rua B. para bater uma pelada, Giovanni era o melhor, drible da vaca, pedalada e até gol de bicicleta ele fazia. Percebe que está com os olhos cheios d’água novamente, enxuga com a manga da camisa. A infância, a antiga infância, era boa, senão a melhor. Todos eram inocentes, incrédulos, não sabiam nada sobre sexo. Já hoje, a infância é uma das piores, Alex vê freqüentemente ,quando está voltando do colégio , garotinhos jogam futebol na rua, ele não se elogiam, se xingam constantemente. “Passa a bola, seu viado”,”Você não joga nada, seu merda”, “Filha da puta, toca essa porra”. Antigamente não era assim, o grau maximo de um xingamento era chamar o colega de “Filha da mãe”. Dia desses, ele lembra, viu três garotinhas, uns oito anos cada uma, no shopping. A principio ele estranhou a cena e seguiu elas até que fosse ao terceiro piso, ao há a praça de alimentação. Escondido ele descobriu aonde elas estavam indo. Um encontro. Outros três guris estavam sentados em uma mesa, os guris vestiam bonés e camiseta regatas. Filhotes da moda chula. Elas sentaram juntos a eles e começaram a conversar asneiras, passaram alguns minutos e uma garota beija um deles, na boca. Beijo de cinema, de língua. Alex saiu dali abismado e boquiaberto, como podem essa garotinhas de oitos anos já saberem beijar, no meu tempo ela só idolatrava alguém famoso – pensa ele.
  Quanto mais o tempo se passa, quanto mais gerações surgem, mais longe da inocência estamos. E mais perto das sombras ficamos.

  Acorda de um devaneio, não acredita no que está vendo. Um jovem branco, gordo, usando uma camisa listrada que dá a aparência de ser mais gordo ainda, cheia de gordura. O gordo quase que não passa pela catraca. Alex não se surpreendeu com o peso dele, mas com a aparência, parece muito com Caio, seu colega de infância.
  O gordo procura por um lugar para sentar, olha como uma águia por todo ônibus até que avista Alex e faz uma cara horripilante de surpresa.
  -Alex, é você mesmo? – Diz, enquanto caminha em sua direção.
  -C-caio?
  -Porra, sou eu?
Alex não acredita no que está acontecendo.
 -Eu não to acreditando nisso.
 -Nem eu.
 -Quanto tempo em cara?
Alex tem um flashback de toda sua história com Caio. O inicio, o meio e o fim,tudo.
 -E aí? Fazendo o que da vida?
 -Nada de mais, só fazendo faculdade pra ver se viro gente.
Caio ri, parece uma gelatina balançando quando ri. Seus três queixos tremem junto.
- Pois é, e você? Tá fazendo o que?
 -Nada, larguei o 2º ano e desde então venho morando com meus pais.
- Porque ?
-Porquê? Sei lá, preguiça de estudar.
Alex ri, mas queria ri mais, muito mais. Rir da desgraça que está acontecendo com Caio. Uma vida totalmente destruída por uma escolha errada.
- Pô cara, cê tá com quantos anos?
- 22
-Não parece.
-Pois é, sabe como é a adolescência. Você quer viver ao maximo, bebe, fuma , se droga, e no final vê a merda que fez.
 Sabias palavras de um gordo derrotado, pensa Alex.
- Putz cara, não to acreditando que a gente se reencontrou.
- Pois é
- Por que nunca mais mantemos contatos?
- Você não se lembra?
- Agora, não me recordo?
- As mudanças, Paulinho, eu e o Victor nos mudamos. Eu fui pro outro lado da cidade, o Paulo foi pro interior e o Victor foi morar lá pelas bandas do Sul.
 - O Victor sempre foi um cara sortudo.
- Verdade.
 Alex vê seu ponto chegar. Caio cobre todo o espaço do banco, a barriga chega até o outro lado do banco, aonde tem a mensagem Marcos ama Leticia.
  -Bem, tenho que ir. Desço na próxima.
Caio gira o corpo, percebe que mesmo assim não há como ele passar, então se levanta exaustivamente.
  -Quem sabe outro dia a gente se vê de novo?
- Quem sabe...
Caio estende a mão gorda para Alex.
- Valeu parceiro.
Alex aperta a mão de Caio.
-Até a próxima.
-Até.


Coelha

A boneca está sentada a dois bancos á frente. Não conseguiu falar com ela pelo mesmo motivo da ultima viagem que teve com ela: Alguém sentou ao lado dela primeiro que ele, dessa vez foi uma outra moça, uma amiga dela. A amiga da boneca tem o rosto repleto de espinhas, os dentes frontais de tão imensos mal cabem dentro da boca e ficam para fora, dando a aparência de uma coelha. Uma coelha cheia de espinhas. Mas não são aquelas espinhas cheias de pus amarelo com aparência de maionese, são como crateras causadas por antigas espinhas.
  A coelha fala com a boneca, elas riem. Provavelmente conversar fúteis e bobas. Alex se sente extremamente atraído pela boneca, fazem duas noites que ele vai dormir pensando nela, na sua bela única, nos seus olhos castanhos, no seu cabelo negro curto. Alex pensa constante nela, e nem ao menos sabe o nome dela. Sempre foi assim pra ele, tem muita vergonha de falar com garotas, sempre acho algo estranho, de ver alguém menina e chegar sem aviso prévio. Chegar chegando, como dizem hoje em dia, pensa ele.
   Mais risadas, o sorriso da Coelha é bizarro e medonho, os dentes superiores frontais dão realmente uma aparência de um coelho. A boneca olha repentinamente para trás e vê ele, ela sorri e se vira, fala algo para a Coelha e riem novamente. Mais uma vez, Alex se sente uma atração de circo, está ali só para o publico rir dele, rir da sua excelência de tamanho, do seu gigantesco corpo magro. Ele imagina o que elas devem está falando: “Viu o tamanho daquele cara” “Parece uma girafa magricela” “Mas quem já viu girafa gorda” “Hahahahahaha”.
   Ele tenta se distrair, esquecer do que está acontecendo, e observa a acinzentada paisagem urbana: Prédios abandonados, um beco que leva a um camelódromo sujo de esgoto, um prédio empresarial novo, pintado de amarelo e uma loja de ótica. Olha para o céu, não há nenhuma nuvem, muito menos pássaros voando. O céu é uma imensa folha de papel, onde o homem quer desenhar, mas não é capaz.
  Tem calafrios, estranhos calafrios em um dia quente, volta a olhar as duas moças: A Coelha e a Boneca. A Coelha se levanta, dá um abraço na Boneca, mesmo ela estando sentada e puxa a cordinha de parada, se dirigi a saída e fica esperando o ônibus parado, Alex olha para ela meio amedrontado, com medos da palavras que foram ditas sobre ele. O ônibus para, a porta abre, antes de descer, a Coelha olha para ele, dá uma piscadela e faz biquinho, depois desce. O ônibus segue viagem. Alex está confuso.
  “ Porque diabos ela piscou e fez biquinho pra mim? – pensa ele – só podia tá zoando ainda mais com minha cara, com minha estatura. Vou mandar um beijinho pra ele, só pra zoar mais, deve ter sido isso que ela falou pra Boneca.Ou, ou não, talvez tudo o que pensei fosse mentira, talvez elas tenham falado sobre mim, talvez tenha me achado bonito, o que vem a ser uma coisa quase impossível. Estou confuso.”
  Alex enfia a mão no bolso do jeans e tira de lá um chicle de hortelã. Ele desembrulha a embalagem e joga a goma de mascar dentro da boca cheias de dentes amarelos.
   “Será que ele me achou bonito? Se sim, já é um grande passo pra mim.”
Alex sorri, enquanto masca o chicle. Se lembra da primeira menina que o achou bonito. Ele tinha treze anos e um metro e cinqüenta e nove de altura, era o maior da classe. Era verão, ele estava na piscina do colégio, nadando. Nadando de vai-vem na piscina. Chega Ana, a anã. Ela era a menor menina que ele já havia visto na vida, era a menor da sala. Andava sempre com o cabelo amarrado em chiquinhas e tinha sardas nas bochechas. Tinha um rosto estranho, sempre tivera medo de olha para ela nos olhos. Tinha medo de olhar pra ela. Alex cansado, para na beira da piscina, usava uma sunga roxa e laranja. Ana, anã, caminha até ele.
  - Alex! – Ela berra.
  -Oi
 -Natação?
 -É.
  Ela olha boba para a piscina e para Alex.
-Nossa, sempre quis nadar aqui. Mas sempre tive medo.
-Medo? De quê?
 - Ouvi uma vez, acho que foi Patricia que disse, que a noite a piscina fica infestada de insetos. Baratas, besouros, gafanhotos. E só a noite é que o zelador limpa.
 Alex sabia daqui. O zelador falará a ele secretamente que era verdade, mas que não se preocupasse. “Todo mundo toma banho em casa de chuveiro, mas não sabe por onde aquela água passou. Eu limpo os bichos de manhã e coloco um pó que tira os micróbios. Relaxe, você não vai pegar câncer”.
 -Jura? Não sabia.
-Pois é, pois é, pois é.
 Ana olha para ele, ele olha para as moças do segundo ano do outro lado da piscinas, as moças olham para o professor forte e peludo de inglês, e o professor olha para Ana, que é sua filha.
  -Filha, cuidado !
  -Certo pai.
As moças olham para Alex e Ana e dá risadinhas. Alex mergulha de vergonha. Quando emerge, Ana continua a olhar para ele.
 -Sabe, Alex...
-Oi.
- Até que você é bonito...
Alex mergulha novamente na vergonha, e fica lá por um bom tempo.

Vácuo

Alex entra no ônibus, já é tarde da noite. Ficou até tarde na faculdade fazendo trabalhos e estudando para as provas da próxima semana. Ele desliza o cartão no leitor, o cobrador sentado com a cara pra trás, tira um cochilo. É realmente tarde.
   Alex está sonolento, anda quase se arrastando. Seus olhos piscam a cada passo, sente que pode dormir a qualquer momento. Passa pela catraca e senta nos últimos bancos, no fundo. O ônibus está vazio, só Alex, o cobrador e o motorista. O sono toma conta dele e se deita nos bancos, pegando num sono. Dorme pensando no que fazer nos próximos meses, Alex está cansado, cansado da faculdade, passa sua maior parte do dia lá, estudando para no fim, arrumar um emprego que o salário nem se quer chega ao pé das mensalidades da faculdade. Sim, ele tem certeza, merece mais tempo para ele, mais tempo para se divertir, mais tempo para passar com seus poucos amigos. Já tem tudo planejado. Na segunda, chegará na faculdade e logo irá para a diretoria para fechar o curso e se dedicar mais a ele, se curti, como falam hoje em dia.
  Está certo que seu pai, que paga a mensalidade com o dinheiro da aposentadoria, ficará a principio furioso com o filho por ter desistido da faculdade. Está certo também de que o pai ficará zangado por ele ter gasto o dinheiro da aposentadoria com a faculdade e desistir assim do nada. Alex sente sua cabeça borbulhar com essas previsões, sente como se sua cabeça fosse uma bomba, prestes a explodir. Alex pensa no que falar ao pai para se explicar.”Vou fechar o curso na faculdade, estou sentindo um tipo de triste profunda. Perdi totalmente minha vida social por causa disso, e ainda estou sendo ridicularizado todo dia quando o ônibus está lotado, por conta do meu tamanho”. O pai suspiraria e aceitaria que o filho saísse da faculdade. Sim, Alex tem quase certeza disso, o pai acabaria entendendo a situação do filho e deixaria ele viver um pouco. Talvez, quem sabe, depois de alguns meses, uns três ou cinco, eu volte para a faculdade com as energias recarregadas – pensa Alex, sorrindo deitado- Quem sabe?

   Acorda de supetão quando o ônibus freia bruscamente, quase caindo no chão sujo. Se levanta meio zonzo, percebe que está próximo da sua parada e puxa a cordinha. Alex olha para os bancos vazios, tem uma idéia repentina de alguma coisa importante mas quanto tenta se lembrar esquece. A saída abre, Alex se curva para não bate a cabeça no topo da porta. Noite fria.

Amor

  Segunda. Alex está confiante e feliz, está a caminho da faculdade para pedir o cancelamento do curso. Ele entra no ônibus e senta perto do fundo.
   Noite passada teve um sonho estranho, sonhou que estava reunido com os poucos amigos que tem, reunidos em uma igreja, arrumada como se estivesse ocorrendo um casamento. Todos de terno e gravata, incluindo ele. Eles conversavam lorotas, quando o pianista começa a tocar a marcha matrimonial. E entra pela porta a Boneca, vestida de noiva. As bochechas rosadas, lábios pintados de rosa e o vestido branco. Ela caminha até ele, com dama de honra atrás dela, segurando o véu, uma delas é a Coelha, de vestido preto.
  A boneca chega ao altar, junto a Alex. Ela estende as mãos, parecendo uma santa, ele as segura. Ela tenta disfarçar, mas sorri, sorriso belo. Alex sente o coração palpitar mais e mais, ela abre a boca querendo dizer algo, mas ele não escuta nada. Ela abre a boca de novo, e novamente ele não ouve nada, nem os convidados. Ele olha para as pessoas, todas estão surpresas ou aparentando raiva, volta a olhar a Boneca e uma escuridão o consome, e ele acordou.
   Alex está apaixonado pela Boneca. Faz uma promessa a si mesmo, quando reencontrar a Boneca, provavelmente no ônibus, ira conversar com ela, tentar conquista- lá. Ele cruza os dedos e murmurar : Eu prometo.

  
   Ele se lembrar de algo e abre o bolso maior da mochila: Caderno, um livro de contos, e algumas folhas soltas. Tenta se lembrar do que ele havia lembrado, mas se esquece.  Começa a achar que está começando a ter Déficit de Atenção, ou Amnésia. Faz um teste consigo mesmo, tenta se lembrar o que tomou no café da manhã de ontem, mas não consegue lembrar, na verdade não se lembra de nada do que fez no fim de semana. Sua cabeça a girar, fazer piruetas,  a mente desgastada pelo esforço feito agora a pouco. A tortura o domina. Acaba dormindo de cara na janela.
   Sonha que está em circo, não como platéia, mas como apresentação. As cortinas se abrem, o circo está cheio. Alex anda até o centro do picadeiro sem entender nada, passa a mão no rosto e percebe que está cheio de maquiagem branca de palhaço. Todos na platéia riem dele, ele se sente frágil, derrotado. Pensa em correr para os bastidores, mas suas pernas não obedecem o comando. Alex olha envergonhado para a platéia e vê alguém conhecido: A boneca. Ela não ri compulsivamente como os outros, ela apenas sorri. Apenas o simples e belo sorriso dela é mais humilhante para Alex do que toda a platéia rindo feito gentalha. Houvesse um grito dos bastidores, ele se virar e vê Ana, a anã correndo em sua direção. Ela veste um maio de circo como as das ginastas. Ela pula nos braços dele, mas não a segura.
  - Meu amor, por que fizestes isso? – Grita a anã cômica, fazendo a platéia rir mais.
  Alex olha ainda mais envergonhado e humilhado para a Boneca. Ela continua a sorri.
  - Eu-eu posso explicar... – Diz ele, choroso, para a Boneca.
 - O que? Você estas me traindo com essa rapariga – Diz Ana, apontando para a Boneca. A platéia ri ainda mais, o som é ensurdecedor, os risos se tornam algo material, algo palpável. Os risos acertam Alex em cheio, o fazendo cair no chão, desacordado.
   Acorda lentamente, abrindo os olhos devagar. O sol irradia em seu rosto e ele voltar a fechar os olhos, deixando só uma fresta aberta. Olha para a frente do ônibus. Quase todos os bancos ocupados, o ônibus solavanca por conta dos buracos na rua. O ônibus para, Alex lembra do que acabou de acontecer, do sonho no circo. Ri daquilo, do sonho bobo. Quem já viu ele trabalhando em um circo como um  palhaço gigante?
   A catraca gira, algo chama a atenção dele. Quando olha para lá sente seu coração pulsar mais rápido. A Boneca acabou de entrar no ônibus, de vestido floral “cor de ovo caipira” e uma tiara, também floral, dando a aparência de uma ninfa dos tempos modernos. Ela se senta aonde há dois bancos vazio.
Essa é a chance de Alex.
 O ônibus volta a entrar em movimento, os buracos infestam as ruas, o ônibus não para de dar solavancos. Alex, com seu gigantesco tamanho, levanta- se e começa a caminhar até ela. O caminho fica difícil por conta das crateras na rua, o pneu do ônibus passar por um buraco gigantesco, de uns setenta centímetros. Alex choca a cabeça no teto e grunhe feito um ogro , mas não desisti e continua a caminhar até ela. O coração palpita mais e mais rápido, sente a boca secar, os olhos piscam freneticamente. Finalmente ele chega.
  Ele senta do lado dela, ela o olha e dá aquele sorriso belo, os dentes divinamente brancos. Alex abre a boca, mas não sabe o que falar. Algo sai aleatoriamente.
 - Oi
  - Oi – diz a boneca, dando risinhos.
Alex sorri, mas se sente bobo por ter feito isso e coloca a mão sob a boca.
  O motorista grita apavorado do volante.
- Santo deus!!
  Alex levanta um pouco a cabeça para ver o motivo da gritaria. Mas é tarde demais. O ônibus passa por um buraco e se choca com um caminhão de carga explosiva.
 Explosão.